Entrada na adolescência
Entrada na adolescência
por Andréa Ribeiro*
A entrada na adolescência traz grandes desafios para a família e para os indivíduos. Entendemos, enquanto escola, que é muito importante para as famílias conhecer as principais transformações para que esse período tão importante da vida seja vivido de forma saudável para toda família. O texto a seguir traz contribuições importantes.
Desenvolvimento psicológico na adolescência
Como o desenvolvimento psicológico na adolescência é um tema amplo e profundo, vamos abordá-lo em três contextos: (a) reconstrução da autoimagem e senso de identidade, (b) mudança de significação da relação com os pais e (c) novo significado da relação com o grupo de pares (aspectos sociais e afetivos).
a) Reconstrução da autoimagem e senso de identidade
Muitas vezes, o mal-estar sentido pelo adolescente é acentuado por causa da inadequação entre as características físicas do seu corpo e os padrões de beleza reconhecidos na cultura ou impostos pela mídia e pela sociedade em geral. Especialmente as adolescentes sofrem com a impossibilidade de atender ao modelo exigido de corpo alto e magro, em razão de estarem passando por uma fase da vida em que o acúmulo de gordura, o arredondamento dos quadris e o aumento dos seios seguem um ritmo ditado pelos hormônios. O que se conclui, então, é que o efeito psicológico provocado pelas transformações corporais é fortemente condicionado pela forma como os adolescentes reagem às próprias mudanças físicas experimentadas. A maneira como os adolescentes se veem e são vistos interfere na sua autoimagem e autoestima.
Assim, é parte dos processos psicológicos da adolescência a aceitação do novo corpo e sua incorporação à autoimagem, de forma integrada e organizada. A reconstrução da autoimagem corporal é uma dimensão importante da construção da identidade do adolescente socialmente, sexualmente, culturalmente etc.
b) Mudança de significação da relação com os pais
Além das mudanças corporais, a mudança psicológica mais importante do adolescente em nossa sociedade é tornar-se independente dos pais. Se, durante os primeiros anos da vida, grande parte dos significados, valores e crenças que orientavam a atividade da criança era dada pelos pais, na adolescência a pessoa assume valores próprios, numa perspectiva mais autônoma. Podemos nos perguntar: isso está relacionado com a busca pela autonomia e a construção de valores próprios, que são tensionados pelas relações sociais? Separar-se dos pais não exige a separação física, apenas a separação simbólica. Separar-se, nesse nível, é poder pensar de modo diferente da família, rever suas visões de mundo, considerar outras opções de futuro. Tal separação simbólica é importante para dar ao adolescente os meios necessários para assumir as próprias posições, seus desejos e projetos, ainda que ultrapassem o que foi projetado originalmente pelos pais. Durante o período da adolescência, podem existir crises como resultado da rejeição da autoridade dos pais, dos conflitos entre gerações e da crítica dos valores e modos de vida da família do adolescente. No entanto, sabemos que tal crise, se é que existe, não atinge apenas o adolescente. Na mesma fase do ciclo de vida familiar em que os filhos chegam à adolescência, os pais atingem a meia-idade, acumulam mais responsabilidades no trabalho e passam a ter várias exigências do grupo familiar. Ao mesmo tempo, é a fase em que, quando avaliam suas realizações, ressentem-se dos projetos adiados e das próprias frustrações. Nesse sentido, os conflitos que eventualmente acontecem se originam de questões pessoais próprias, e não apenas como efeito da crise adolescente.
c) Novo significado da relação com o grupo de pares: aspectos sociais e afetivos
O grupo formado pelos amigos e colegas de escola da mesma idade passa a assumir, na adolescência, significado diferenciado do que tinha na infância.
O adolescente se aproxima e se vincula àqueles com os quais ele se identifica, a partir de critérios e valores que não necessariamente são os mesmos da família. Esses valores contribuem para que o grupo de pares de idade passe a ter grande importância em diferentes dimensões da vida do adolescente.
A importância dos pares se traduz no sentimento de lealdade ao grupo, na intimidade entre seus membros, no compartilhamento de segredos, na adesão de cada um à imagem visual do grupo e na forma de expressar comportamentos, como rebeldia, transgressão, uso de drogas etc. Esses comportamentos são assumidos pelo adolescente no contexto coletivo, em nome da unidade do grupo, ainda que não seja a orientação individual que ele possua.
Além da importância do grupo nos processos de socialização do adolescente, identificamos nele um papel fundamental na orientação dos vínculos afetivos e sexuais. Além disso, é na adolescência que as relações entre os gêneros mudam de significado em relação à infância. Isso ocorre por causa da relação sexual e erótica dos afetos, que vem em decorrência da maturação sexual. Se o adolescente já é, em geral, inseguro no campo das relações afetivas, essa insegurança se intensifica por causa das mudanças nas relações de gênero na contemporaneidade.
É comum ocorrer a separação do grupo na transição para a vida adulta. Diante das demandas dos novos papéis sociais assumidos por adultos, o grupo acaba perdendo seu significado. Nesse novo contexto, apenas as amizades mais verdadeiras são preservadas.
Podemos ter clareza quanto ao início da adolescência, identificado pelos eventos da puberdade fisiológica, mas não podemos dizer o mesmo sobre o seu fim. As marcas que definem se alguém deixou de ser adolescente variam muito conforme a cultura. Nas sociedades ocidentais contemporâneas, assumir um projeto de vida, realizar escolhas amorosas e conquistar autonomia financeira encontram-se entre os indicadores do fim da adolescência; entretanto, o maior tempo necessário à realização dessas conquistas tem contribuído para o alongamento da adolescência.
Maria Cláudia Santos Lopes de Oliveira possui graduação e mestrado em Psicologia e doutorado em Educação. É professora associada da Universidade de Brasília, onde desenvolve projetos de pesquisa na área de Psicologia do Desenvolvimento da Adolescência, com ênfase no desenvolvimento social no contexto urbano das escolas e instituições do sistema de medidas socioeducativas.
Disponível em:<https://sgmd.nute.ufsc.br/content/portal-aberta-sgmd/e01_m02/pagina-03-extra-03.html>. Acesso em: 2 mar. 2020.
* Andréa Ribeiro é graduada em Pedagogia, especialista em Psicopedagogia e Orientadora Educacional da Escola Interamérica.